Lucas Emanoel Soares Gueiros

O USO DA IDENTIDADE E DA MEMÓRIA NO ENSINO: POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM DE UMA HISTÓRIA REGIONAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA 

A memória e identidade devem ser consideradas como ferramentas metodológicas que promovem e facilitam o ensino e aprendizagem de uma história e identidade local/regional. Ambos os conceitos devem ser trabalhados em sala de aula pelo profissional de História para que, com o seu domínio, os alunos obtenham um conhecimento significativo sobre as manifestações culturais e a formação de uma história local em que os próprios estão inseridos. Esse estudo está ancorado em pesquisas bibliográficas nas obras de BLOCH (2001), BITTENCOURT (2004), CANDAU (2016), CAIMI (2010), HALBWACHS (2003) e OLIVEIRA (2010).

A pesquisa também é fruto de várias observações de campo, realizadas entre os anos de 2016 e 2017, como bolsista do Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), ocasião que possibilitou tanto uma participação na Escola Estadual Monsenhor Macedo, localizada no município de Palmeira dos Índios – AL, quanto uma interação com os alunos durante as atividades desse projeto. Durante esses momentos, foi realizado, em conjunto com os educandos, discussões sobre memória e identidade que, além de promover rupturas com práticas conservadores em sala de aula, possibilitou atratividade e interesse pela busca de uma história sobre os grupos e munícipios localizados no estado de Alagoas.

O uso da memória e da identidade: rupturas com as práticas tradicionais do ensino de História
Antes de adentramos na descrição sobre a importância da utilização dos conceitos de memória e de identidade como ferramentas metodológicas no ensino de História da Escola Estadual Monsenhor Macedo, é necessário apresentarmos ou fazer abordagem sobre os parâmetros conservadores e tradicionais presentes nessa disciplina.

Várias práticas conservadoras, constituídas em século passado, ainda persistem na disciplina de História, principalmente na educação básica, onde professores limitam o estudo desse campo do saber, ao fazerem abordagens, durante suas aulas, apenas sobre os acontecimentos ou fatos do passado, enaltecendo o feito de ‘heróis’ e dos conhecidos conquistadores; esquecendo, silenciando e renegando o estudo sobre os grupos com suas manifestações culturais que foram responsáveis pela construção da sociedade e que fazem parte de uma identidade local próxima a realidade de seus alunos.

A reprodução de métodos de ensino da disciplina de História utilizados durante o século XIX que apenas enfatizava a memorização como o verdadeiro aprendizado, é uma realidade presente em pleno século XXI, pois vários educadores continuam a não utilizar metodologias que incentivem o desenvolvimento cognitivo dos alunos, fazendo com que se dediquem apenas a velha e conhecida prática da “decoreba”, sobre esse método de ensino do século XIX, Bittencourt afirma que:

“As lembranças de muitos alunos da História escolar e os livros escolares produzidos no século XIX indicam o predomínio de um método de ensino voltado para a memorização. Aprender História significava saber de cor nomes e fatos com suas datas, repetindo exatamente o que estava escrito no livro ou copiado nos cadernos.” [BITTENCOURT, 2004, p. 67]

Essa transmissão conservadora no ensino de História encontra-se arraigada na contemporaneidade, as práticas dos professores se limitam a cobrar, como método avaliativo do aluno, apenas a um tipo de aprendizado, a memorização de datas, eventos e ações dos ‘heróis’ do passado. Assim, disseminando uma ideia de que a história tem como objetivo apenas o estudo sobre as grandes sociedades e feitos de ‘heróis’ do passado, acontecimentos esses, que estão distantes no tempo e ainda mais longe da nossa realidade, repudiando então o querer estudar História.

Esse ensino em que a memorização de determinado assunto seria uma forma de aprendizado eficaz, apenas limita a transmissão de conteúdos por parte do professor, transformando-o em um mero reprodutor de acontecimentos e de assuntos do livro didático, que por sua vez também acaba por reduzir a capacidade cognitiva dos estudantes. Segundo Caimi:

“Nessa perspectiva, a história era ensinada sob o foco de erudição, valorizando a capacidade de memorizar muitos fatos e feitos tidos como relevantes, protagonizados por homens considerados verdadeiros heróis. Ao professor era destinado o papel de transmissor de tais informações, ao passo que caberia aos estudantes a tarefa de decorá-las e repeti-las quando solicitados[...].” [CAIMI, 2010, p. 59]

Os métodos conservadores e tradicionais apenas limitam o educador e atrapalham o desenvolvimento de aprendizado dos educandos, pois nesta ótica de ensino o aluno nota dez, seria aquele que memorizasse um assunto exatamente como ele o leu ou como o professor lhe apresentou. Desta forma, este tipo de método faz com que o ensino e aprendizagem sejam monótonos, causando angústia e desinteresse nos alunos para estudarem a disciplina de História.

É aí onde a memória e a identidade deve entrar em jogo para que o ensino da história amplie o seu horizonte de campo de pesquisa, fazendo com que sejam trabalhados assuntos sobre vários aspectos dos grupos que possuem uma diversidade de práticas culturais e também possa possibilitar o aprendizado acerca da história e identidade local. Com isso, as aulas passam a ser mais dinâmicas e, assim, o educador passa a conquistar a atenção do aluno já que os fatos estudados estão bem próximos da realidade do próprio educando. Tal feito faz com que as aulas possibilitem a capacidade de desenvolver o pensamento crítico sobre a construção da história local e não apenas a capacidade de memorização sobre as sociedades do passado e distantes do contexto histórico e social dos estudantes.

Os conceitos de memória e de identidade: os ganhos e a possibilidade de aprendizagem de uma História regional/local
A discussão sobre memória e identidade, durante os encontros com os alunos da terceira série do ensino médio da Escola Estadual Monsenhor Macedo, possibilitou uma ampliação no modo de estudar História, fazendo com que os alunos dessem atenção para os grupos locais do estado de Alagoas, passando a compreender que cada um desses grupos possui uma diversidade de práticas culturais e de memórias que se manifestam ao longo da história, reconstruindo, no tempo presente, suas identidades.

Com isso, foi empregado, durante a realização de oficinas semanais, o conceito de memória e de identidade e o porquê da importância de sua discussão para compreendermos a história dos grupos inseridos no estado alagoano. Mostrando que a memória é importante, pois ela nos ajuda a compreender e a traçar a participação desses grupos nos vários processos da construção de nossa história e que são responsáveis pela elaboração ou constituição de uma identidade local. E que essa identidade é necessária para que um grupo ou localidade possua singularidades e possam se distinguir perante outros grupos e locais.

Que grupos e práticas culturais são esses? São grupos e práticas que aparecem no documentário Sobrevivências (trabalhado em sala de aula) de autoria da professora Francisca Maria Neta, do Curso de História da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Grupos com manifestações de matrizes africanas (Candomblé, Negra da costa, Xangô de toré), grupos com práticas católicas (Rezadeiras, Romeiras) e grupos de aboio. Durante semanas, houve várias discussões sobre essas manifestações culturais e também vários questionamentos de como tais manifestações são transmitidas de uma geração para a outra e porque essas práticas são elementos que constituem uma identidade. É a partir desse momento que a discussão sobre a memória entrou em jogo! Os alunos passaram a compreender o seu conceito e funcionalidade.

O trabalho sobre o conceito e funcionalidade da memória possibilitou, para os alunos, a compreensão de como os saberes tradicionais são apreendidos pelos indivíduos que fazem parte de determinado grupo e como, a partir da memória, tais saberes são transmitidos de geração em geração, assegurando assim, a continuidade de costumes, educação e memória coletiva e também a existência de uma identidade cultural. Sobre essa transmissão e funcionalidade da memória, Candau afirma que:

“Sem essa mobilização da memória que é a transmissão, já não há nem socialização nem educação, e, ao mesmo tempo, se admitimos, [...] que a cultura é “uma tradição transmissível de comportamentos apreendidos”, toda identidade cultural se torna impossível.” [CANDAU, 2016, p. 104]

Assim, sem a memória não há transmissão, fazendo com que não seja realizada a socialização, inexistindo uma identidade cultural ou coletiva. Com essas discussões durante as oficinas e encontros em sala de aula, os alunos do ensino básico passaram a compreender o papel ou funcionalidade da memória para entender como os grupos transmitem seus saberes tradicionais e (re)elaboram suas identidades ao longo da história.

Além dessas questões, foram realizados trabalhos sobre a herança dos grupos tradicionais no plano geral da sociedade brasileira e também no plano específico do estado de Alagoas. Pois “É natural encontrarmos muitos vestígios das comunidades de origem nessas novas formações[...]” [HALBWACHS, 2003, p. 136]. Ou seja, debatemos com os alunos sobre a participação das comunidades tradicionais e suas práticas culturais na construção de uma identidade brasileira e de uma identidade alagoana.

Trabalhar com o conceito de memória e também de identidade na disciplina de História pode fazer com que haja um ensino e aprendizagem longe da ótica conservadora e tradicional, ampliando o horizonte de estudo ao acrescentar a discussão sobre as memórias e identidades dos grupos que atuaram e atuam na história local ou no tempo presente. Evitando assim, a ideia de que a história apenas faz estudos tidos como cansativos e desestimulantes e que só trabalha sobre os fatos ocorridos no passado ou de ações dos grandes ‘heróis’, segundo Oliveira:

“O senso comum sobre a disciplina História, partilhado, inclusive, por parte dos profissionais de outras áreas de conhecimento, concebe a História como o resgate de todo o passado de todas as sociedades. Essa visão não é de todo desproposital. Ela é tributária do enorme prestígio das concepções tradicionais de História, conhecidas pelas denominações de “positivista”, “metódica”, e que foram preponderantes na escrita da História no século XIX e, com algumas modernizações, na história escolar, pelo menos em nosso país, durante significativa parte do século XX.” [OLIVEIRA, 2010, p. 9]

As concepções tradicionais acerca do que realmente vem a ser o objeto de estudo da História, afeta até os dias atuais a sala de aula. Os professores continuam apenas ministrando aulas que explanam os grandes fatos das distantes e grandes sociedades do passado, enaltecendo os feitos de conquistadores, ‘heróis’ e esquecendo-se de inserir conteúdos sobre os conquistados, a minoria que é maioria e principalmente o estudo de uma sociedade em que os seus alunos estão inseridos, fazendo com que os estudantes não se sintam motivados a querer estudar História e sim fugir dessa disciplina por conta de uma visão do senso comum e por práticas tradicionais por parte de profissionais da área que reproduzem a visão da História de séculos passados.

É ai, que ao ser acrescentado a discussão sobre a memória, na disciplina de História na turma da terceira série do ensino médio da Escola Estadual monsenhor Macedo, passou a existir possibilidades de uma novidade nos estudos realizados por essa disciplina. Havendo a realização de estudos sobre a história, memória e identidade de grupos de Alagoas e município de Palmeira dos Índios.

Esses fatores, não aparecem no livro didático utilizado pela turma, fazendo com que a história, de onde os próprios alunos estão inseridos, não seja trabalhada ou abordada pela disciplina e silenciada pela historiografia. A memória então abriu caminhos para trabalhar a história e identidade local dentro da disciplina ao serem realizadas oficinas na sala de aula da escola e pesquisas de campo no Museu Xucurus de História, Arte e Costumes, e em outros lugares da memória localizados no município de Palmeira dos Índios, AL.

Trabalhando assim, o cumprimento das ações previstas pelo subprojeto do PIBID, do curso de licenciatura em História da UNEAL, intitulado “A memória, a imagem, a oralidade e o patrimônio cultural como ferramentas metodológicas do ensino de história”. Cumprindo, especificamente, o terceiro ponto do projeto que diz: “Elaboração e aplicação de oficinas sobre patrimônio cultural, através de visitas a museus, bibliotecas e comunidades tradicionais com o objetivo de registrar as manifestações culturais na valorização da identidade local.” (p. 4). Com isso, os alunos podem compreender a história da formação da sociedade e município de onde a escola em que estudam está localizada. Assim, a disciplina de História não limita o olhar apenas para o passado e para os grupos e sociedades distantes da realidade dos alunos, ou melhor, os grupos que não aparecem nos livros didáticos e que são silenciados pela produção historiográfica.

É importante dizer que a História não tem como objetivo realizar apenas o estudo de fatos ocorridos em um passado distante, e ainda não deve limitar-se aos feitos de um único homem, ou seja, o ‘herói’ ou conquistador, mas sim, ter como objeto de estudo os homens e suas ações no tempo. Segundo o historiador Bloch:

“Há muito tempo, com enfeito, nossos grandes percursores, Michelet, Fustel de Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objetivo da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas,] por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça.” [BLOCH, 2001 p. 54]

A História tem como campo de estudo as ações dos homens no tempo, trabalhando com a pluralidade e não se detendo apenas a história de um único ser. Assim como na ideia do historiador Marc Bloch, o ensino na disciplina de História deve abordar a pluralidade, não limitando o seu campo de estudo apenas a uma mera reprodução das datas e feitos de ‘herois’. E que não tenha como finalidade o simples estudo de eventos presos no passado, pois “A história não é a acumulação dos acontecimentos, de qualquer natureza, que se tenha produzido no passado. Ela á a ciência das sociedades humanas.” [BLOCH, 2001 p. 54].

Sendo assim, cabe ao professor de História, em suas aulas, não fazer uma mera reprodução de tempos anteriores, mas sim, fazer com que o seu ensino englobe a contemporaneidade e a pluralidade de sociedades como, por exemplo: as comunidades quilombolas e indígenas. E ainda abordar em sala de aula o contexto social em que seus alunos estão inseridos.

A memória e identidade são conceitos que devem ser considerados como ferramentas metodológicas no ensino de História. Os profissionais dessa área do saber devem utilizar ambos os conceitos como elementos pedagógicos com a finalidade de inovar, facilitar e trazer atratividade para os assuntos ou conteúdos trabalhados durante as aulas, fazendo com que haja um ensino e aprendizagem dinamizado e significativo.

Percebemos com esse estudo que as discussões sobre memória e identidade ampliaram o leque para a realização de discussões sobre as práticas culturais de grupos, construção de uma história e identidade local e as manifestações de memórias em várias localidades do munícipio em que os alunos fazem parte.

Referências
Lucas Emanoel Soares Gueiros é Mestrando em Culturas Africanas, da Diáspora, e dos Povos Indígenas do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Pernambuco – UPE. Graduado em História pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL (2014-2017). Membro do Grupo de Pesquisa da História Indígena de Alagoas – GPHIAL.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2001.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo. Ed Cortez, 2004.

CANDAU, Joël. Memória e identidade. Tradução Maria Leticia Ferreira. – 1. Ed; 1ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2012.

CAIMI, Flávia Eloisa. Meu lugar na história: de onde eu vejo o mundo? IN. OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. História: Ensino Fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. (Coleção Explorando o Ensino; v. 21).

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2003. p. 224.

OLIVEIRA, Maria Dias de. A História nas salas de aulas brasileiras. IN. História: Ensino Fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. (Coleção Explorando o Ensino; v. 21).


3 comentários:

  1. Bom dia Lucas Emanoel;
    Gostaria primeiramente de salientar a importância de sua pesquisa para o ensino de história local e regional, e também o parabenizo pelo interesse de romper com o ensino de história tradicional, onde se perpetua a história de vencedores e vencidos.
    Em seu texto, você apresenta a memória e identidade como uma ferramenta metodológica para o ensino de história que propicie ao estudante se ver como sujeito histórico, pertencente a um grupo sócio-cultural que contribuiu para a constituição de um lugar. Gostaria então de saber como foram sistematizadas ou registradas as memórias que surgiram das oficinas relatadas em seu texto? E se a metodologia da Educação Patrimonial foi utilizada nas abordagens sobre patrimônio cultural?
    Juliana Ramos de Arruda



    ResponderExcluir
  2. Boa tarde.
    Esta problematização enriquece e contribui para refletirmos por exemplo, que educação estamos ajudando a construindo?

    Tendo como referência as ponderações da historiadora Circe Bittencourt sobre memorização, se por um lado a memorização enquanto decoreba (mecânica) invisibiliza o aluno como sujeito histórico, por outro lado a memorização consciente é relevante no processo de construção do conhecimento. Assim, não caberia destacar também a relevância da memorização consciente para o processo de aprendizagem dos alunos?
    Natanael de Jesus Santos

    ResponderExcluir
  3. Prezados Lucas, parabéns pelo texto!
    Temática interessante. Observei uma importante discussão em seu texto sobre memória e identidade, com autores destacados e conceituações importantes. Todavia, como o texto se remete as contribuições destas categorias para o ensino de história regional da educação básica, gostaria que comentasse um pouco mais sobre a relação da memória e identidade, ou seja, como se articulam memória, identidade, ensino e a abordagem da história regional?
    Att,
    Roberg Januário dos Santos

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.