Juliana Ramos de Arruda

OS LUGARES DE MEMÓRIA DA CIDADE DE RONDONÓPOLIS-MT: ENSINO, CULTURA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Ao buscar marcas do passado nas ruas da cidade estamos procurando nos movimentos de ir e vir de pessoas e do tempo, as interações sociais e apropriações que ficaram registradas em meio às mudanças sociais que esta vivenciou.

Esse olhar para a cidade em busca dos registros de sua história, nos faz perceber a cidade como fonte, que precisa ser desvendada, pesquisada, refletida, descortinada para se apreender as interações interculturais que a alicerçou.

Diante disto, ao refletir sobre minha prática enquanto professora de História, e em especial a contribuição oferecida para o desenvolvimento do conhecimento sobre memória e Patrimônio Histórico Cultural regional dos estudantes me deparei com um grande vazio e não consegui, portanto, enumerar nenhuma ação educativa que ultrapassasse o que estava nos manuais de ensino de História Regional, distribuído às escolas pelo PNLD [Programa Nacional do Livro Didático].

Ao se tratar do ensino de História em espaços de memória, novamente o sentimento de incapacidade me afligiu, pois de fato, nunca se pensou na possibilidade de levar os alunos aos lugares de memória da cidade para ensino e aprendizagem sobre de história local ou regional.

Com o objetivo de romper com esta pratica de ensino de história baseado no livro didático, apresentei ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de História/UFMT-Cuiabá um projeto de pesquisa sobre as ações educativas em espaços de memória da cidade de Rondonópolis-MT, adotando como metodologia a Educação Patrimonial e a Observação Participante, com vistas a identificar o ensino-aprendizagem, e propiciando a expansão dos limites das práticas educativas para fora dos espaços escolares, incorporando novos elementos às práticas culturais cotidiana de professores e estudantes.

Isto posto ganham cada vez mais relevância pesquisas sobre as ações educativas nos Patrimônios culturais das cidades com a metodologia da Educação Patrimonial. Há uma preocupação comum no meio acadêmico e nas instituições culturais sobre o esclarecimento e valorização dos bens culturais. O IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] passou a investir mais em ações que levem a população esclarecimentos sobre o que vem a ser os patrimônios históricos, paisagísticos, culturais e arqueológicos e as formas de preservação de tais patrimônios.

Visto que o Programa de Pós-Graduação em Ensino de História visa à formação continuada do professor de história, com o objetivo de qualifica-lo para a docência, a pesquisa a respeito da construção do conhecimento histórico do estudante, acerca dos bens culturais da cidade em que vive se torna importante, pois contribui para a reflexão quanto a pratica docente referente à história regional e local, apresenta uma metodologia, a Educação Patrimonial, experiencidadas por estudantes, propõe um novo olhar para o território urbano como espaço de diálogo e de ensino.

A escola nessa proposta é pensada como um espaço que é possível desenvolver ações da Educação Patrimonial, objetivando à preservação e valorização dos bens culturais. A investigação, portanto, desta pesquisa se dá no sentido de compreender como os estudantes se apropriam dos conhecimentos históricos que lhes conferem empoderamento social para preservação e valorização desses bens culturais.

O público alvo dessas atividades são estudantes da rede estadual de ensino, das escolas São José Operário e Sagrado Coração de Jesus, pertencentes ao 2°Ciclo, 4° e 5° anos do Ensino Fundamental. Foram escolhidas essas turmas, pois de acordo com os objetivos de aprendizagens do estado de Mato Grosso e as Orientações Curriculares o ensino sobre Patrimônio Histórico e Cultural deve fazer parte dos planejamentos da disciplina de História deste Ciclo.

Delimitamos a pesquisa ao Ensino de História no anos iniciais, pois historicamente nas produções de conteúdos e materiais didáticos de História pouco importou o papel da criança dos anos iniciais neste processo de aprendizagem histórica, há sem dúvida muita falácia sobre a importância do ensino de História ás crianças, permeadas por pré-conceitos sobre a capacidade de aprendizagem da disciplina, outras sobre a importância dessa aprendizagem na formação da criança, a autora Hilary Cooper apresenta uma sistematização das competências de pesquisa histórica das crianças:

“Desde os primeiros anos, as crianças têm certa consciência “do passado”, por meio de ilustrações de estórias tradicionais e rimas, fotografias de família, prédios antigos e, mais tarde, por meio de filmes, televisão, locais de patrimônio e lugares de memória. Mas, para começarem a entender o passado, as crianças devem desde o começo, a fazer perguntas e aprender como respondê-las. A pesquisa histórica envolve fazer deduções e inferências das fontes, dos traços do passado que permaneceram e, então, selecionar e combinar fontes para construir relatos sobre passado, traçando mudanças ao longo do tempo. [Cooper, 2012, p. 17]

Destarte, compreender que os anos iniciais significam uma fase importante na consolidação de aprendizagens da infância e que é possível promover a formação de conhecimento histórico em crianças, faz diferença nas abordagens de ensino-aprendizagem de História.

Oportunizar a aprendizagem histórica nos anos iniciais é contribuir para a formação de crianças que sejam capazes de refletir sobre o seu tempo e o tempo de sujeitos de outras épocas e lugares, é criar espaços de fala para crianças que formulam hipóteses, que problematizam realidades, e, é inseri-las em contextos até então inexplorados.

É importante que professores e historiadores compreendam que a História, é parte inseparável da vida e aprender a realizar uma reflexão histórica pode transformar a realidade vivida, pois a criança ao se apropriar de conhecimento histórico é capaz de afirmar identidade e realizar reflexão crítica das experiências vivenciadas.

De acordo com o BNCC [Base Nacional Curricular Comum], uma das habilidades a serem desenvolvidas nos anos iniciais do Ensino Fundamental é “inventariar os patrimônios materiais e imateriais da humanidade e analisar mudanças e permanências desses patrimônios ao longo do tempo” [BRASIL, 2017, p. 365], tendo em vista que este mesmo documento reitera que o ensino de História tem como objetivo pensar a diversidade dos povos e suas culturas: 

“Para evitar uma visão homogênea, busca-se observar que, no interior de uma sociedade, há formas de registros variados, e que cada grupo produz suas memórias como elemento que impulsiona o estabelecimento de identidades e o reconhecimento de pertencimento a um grupo social determinado. As memórias podem ser individuais ou coletivas e podem ter significações variadas, inserindo-se em uma lógica de produção de patrimônios (materiais ou imateriais) que dizem respeito a grupos ou povos específicos.”[BRASIL, 2017, p. 355]

Neste sentido, no decorrer da pesquisa, em ações de observação e análise do currículo de História dos anos iniciais da escolas pesquisadas, observei indicações de conteúdos que se faz necessário à utilização da metodologia da Educação Patrimonial para a consolidação das habilidades e objetivos propostos pelo currículo, entretanto mediante reflexão da pratica pedagógica de professores, das escolas alocadas para pesquisa, referente aos bens culturais da cidade de Rondonópolis, não foi identificado a metodologia da Educação Patrimonial em seus planejamentos.

A importância da adesão da metodologia de Educação Patrimonial nas ações educativas para a construção de conhecimento histórico regional e local se faz necessária e de relevância, visto que corrobora com a compreensão que os sujeitos, sejam o docente ou o estudante desenvolve sobre sua identidade cultural.

Em uma ação educativa sobre o território histórico e cultural de Rondonópolis, pode-se observar que os estudantes desconhecem certos lugares como espaço histórico, tais como: a primeira igreja da cidade, atual Igreja Matriz Sagrado Coração de Jesus, a praça dos Carreiros local de encontro dos sitiantes e vendas de mercadorias agrícolas,  cais do Porto de Rondonópolis, que por muito tempo foi o principal ponto de acesso ao Sudeste e Sul do país; assim como, o poder educativo desses espaços. 

Neste sentido, o ensino de História se entrelaça a Educação Patrimonial ao propiciar ao estudante uma percepção e reflexão da história local e assim provocando nestes sujeitos um novo sentido de relacionar-se com o patrimônio histórico e cultural da cidade, pode-se afirmar que “o sujeito consolida, renova, altera, desenvolve sua identidade particular em meio à cultura histórica envolvente e conformadora, em cujo seio se encontra” [MARTINS, 2017 p. 200]

Reitera-se a ideia, de que, a preservação do patrimônio é uma pratica social, que resulta da relação da sociedade com sua cultura. Ao propor que estudantes do ensino fundamental conheça o patrimônio cultural da sua cidade estamos propiciando a estes sujeitos em formação a oportunidade de se relacionar com sua cultura, de interagir com o bem cultural, de questiona-lo, por a prova mediante suas vivencias familiares e sociais.
Importa-nos desenvolver nos estudantes através do patrimônio a consciência da importância de diversos grupos na constituição histórica do local em que ele vive, é de fato um dos objetivos, o de desenvolver nos estudantes o pensamento de que todo sujeito produz e consome cultura e tem direito de criar e preservar seu modo de ser, viver e fazer.

Os bens culturais, neste sentido, têm como finalidade despertar o senso de pertencimento a uma sociedade, grupo, comunidade e lugar, mas também pode ser utilizado pelos poderes público como um instrumento de afirmação de um conceito de identidade nacional, étnica, religiosa, ou cultural, neste sentido [PINTO, 2009, p. 273] reitera que é necessário distinguir quais as intenções para a preservação do patrimônio, se apenas para corresponder às necessidades de uso, ou se para enaltecer determinados objetos como símbolo. 

Na perspectiva de [MARTINS, 2017, p. 16] o sujeito desenvolve o conhecimento histórico a partir de um feixe de fatores, em que o indivíduo é agente ativo e consciente, o autor também define que o conhecimento histórico é produzido com base em três instancias: a) o agente; b) o tempo em que a ação é efetivada; c) os espaços físicos e sociais em que ação se insere, à vista disso, o estudante é sujeito histórico e agente de seu conhecimento. Ao se trabalhar com o patrimônio cultural o professor deve considerar que o conhecimento histórico desenvolvido pelo estudante sobre patrimônio perpassará essas instâncias.

A pesquisa aqui relatada encontra-se em etapa de realização de oficinas e visitas guiadas aos espaços culturais selecionados para as atividades de observação e apropriação de conhecimento cultural, os resultados dessas oficinas e visitas ainda estão sendo coletados e analisados, não podendo aqui ainda ser discutido com profundidade e riqueza de dados.

Corroboramos com [FRANCO, 2003] quando afirma que “é, portanto, com base no conteúdo manifesto e explicito que se inicia o processo de análise”, no entanto, a autora chama a atenção do pesquisador para não descartar as possibilidades de análise do conteúdo “oculto”, as entrelinhas. 


Referências
Juliana Ramos de Arruda, professora da rede pública do Estado de Mato Grosso, mestranda do programa de Pós Graduação em Ensino de História da Universidade Federal de Mato Grosso.
Cooper, H. Ensino de História na educação infantil e nos anos iniciais: um guia para professores. Curitiba: Base Editorial, 2012.

BRASIL, M. (2017). Base Nacional Comum. 

FRANCO, M. P. Análise de Conteúdo. Brasília : Plano editora, 2003.

MARTINS, E. C. Teoria e Filosofia da História. Contribuições para o Ensino de História. Curitiba: W&A Editores, 2017.

PINTO, M. H. M. N. F. Educação Histórica e Patrimonial: conceções de alunos e professores sobre o passado em espaços do presente. Minho: [s.n.], 2011.

ROLNIK, R. História Urbana: História na Cidade? Salvador: UFBA,1990.

5 comentários:

  1. Boa tarde professora.
    Certamente iniciativas como esta contribuem para que @s discentes percebam os conteúdos de História como relevantes para suas leituras de mundo.
    (Gostaria de ser informado sobre a disponibilização deste projeto e seus resultados)
    Mesmo deixando claro a inconclusão do projeto de pesquisa, que impressões podem ser destacadas por parte dos alun@s para com as atividades propostas(visitas guiadas e oficinas)?Já tiveram oportunidade de fazer alguma atividade da disciplina para além da sala de aula? Quantos alun@s paticipam(ram) do projeto?

    Natanael de Jesus Santos
    Graduando de Licenciatura em História/UNIFESSPA.(Marabá-PA)

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    1. Bom dia caro Natanael;
      Sobre o projeto e seus resultados a dissertação será disponibilizada no portal da Caps assim que defendida e entregue a instituição/UFMT.

      As atividades de visitas aos lugares de memória estão agendadas para o final do mês, no entanto em atividades de observação do conhecimento prévio dos alunos já identifiquei que os menos não conhecem ou identificam o "Casario" e a "Praça dos Carreiros" como lugares que contém e contam a história da nossa cidade. Essa constatação me leva a inferir que a visita guiada irá leva-Los ao conhecimento da história local a partir de suas próprias impressões do lugar, a apropriação do conhecimento se dará pelo ver e interpretar do território.com informações que será disponiblizadas pelos mediadores da ação educativa.

      A ação educativa será realizada com
      170 alunos dos 4° e 5° anos do Ensino fundamental. Esses alunos estão dividos em grupos de 40 alunos. A divisão foi feita para melhor andamento das atividades e roda de conversa.
      Alem da observação os alunos registarão suas impressões em fotos e desenhos, que serão componentes da exposição Rondonópolis: muitas histórias, muitas culturas.
      Espero ter contribuídco.
      Juliana Ramos de Arruda
      Mestranda do ProfeHistoria/UFMT e professora da rede estadual de ensino de Mato Grosso.

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  2. Bom dia caro Natanael;
    Sobre o projeto e seus resultados a dissertação será disponibilizada no portal da Caps assim que defendida e entregue a instituição/UFMT.

    As atividades de visitas aos lugares de memória estão agendadas para o final do mês, no entanto em atividades de observação do conhecimento prévio dos alunos já identifiquei que os menos não conhecem ou identificam o "Casario" e a "Praça dos Carreiros" como lugares que contém e contam a história da nossa cidade. Essa constatação me leva a inferir que a visita guiada irá leva-Los ao conhecimento da história local a partir de suas próprias impressões do lugar, a apropriação do conhecimento se dará pelo ver e interpretar do território.com informações que será disponiblizadas pelos mediadores da ação educativa.

    A ação educativa será realizada com
    170 alunos dos 4° e 5° anos do Ensino fundamental. Esses alunos estão dividos em grupos de 40 alunos. A divisão foi feita para melhor andamento das atividades e roda de conversa.
    Alem da observação os alunos registarão suas impressões em fotos e desenhos, que serão componentes da exposição Rondonópolis: muitas histórias, muitas culturas.
    Espero ter contribuídco.
    Juliana Ramos de Arruda
    Mestranda do ProfeHistoria/UFMT e professora da rede estadual de ensino de Mato Grosso.

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  3. Boa noite Juliana!

    Uma ótima discussão sobre os lugares de memória, assim como nos ensinou Le Goff (2013), em História e Memória. Ao se falar em preservação ou reutilização surgem questionamentos: qual o motivo de zelar por um edificação tão antiga? qual a relevância para a população, ou para a cidade? E quanto à reutilização, o que se pode ser feito com uma construção antiga a não ser destruí-la?

    Míriam de Lima Cabral

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    1. Bom dia Miriam;
      Agradeço a contribuição tua em expor alguns questionamentos para iniciarmos uma discussão profícua a respeito da história de um lugar.
      Primeiramente quero deixar registrado que na pesquisa utilizo o conceito de territorialidade, definido por Raquel Rolnilk em “História Urbana: História na Cidade?”, que observa o território como uma constituição sócio-cultural.
      Partindo deste pressuposto, zelar de uma edificação antiga é compreendê-la como fonte histórica, essas edificações antigas são testemunhas vivas da história de um lugar, é a materialidade de experiências culturais e sociais de determinadas época. São essas edificações que nos contam como determinado grupo social vivia, pensava e existia em determinada época. Assim como qualquer fonte ela pode servir para perpetuar um discurso, como também, pode propiciar novas interpretações a respeito de um discurso perpetuado. Mas o que me instiga na preservação desses locais é a possibilidade de desenvolver nos sujeitos desse lugar o protagonismo, de levar o individuo comum a se ver como sujeito histórico do lugar em que viveu e constituiu experiências significativas, é descortinar os horizontes para devendar as interações interculturais que esse território testemunhou.
      O território urbano é constituido de espaços funções, ou seja, cada edificação é construida em uma determinada época para desenvolver determinada função, seja de moradia, oficio ou pratica cultural, no entanto essa função não é perpétua, ela pode mudar de acordo com o contexto temporal e social em que se econtra, desse modo não precisamos destruir uma edificação antiga para atribuir ao território em que ela estava inserida uma outra função, há a possibilidade de atruir a ela uma outra função. Um dos espaços escolhidos para a ação educativa com os estudantes que estou pesquisando, é o casario, um aglomerado de casas geminadas centenárias, que cessada sua função de residência, foi restaurada e hoje é um espaço de interação social, cada casinha é um box com bares, restaurantes, artesãos entre outros, foi dado ao lugar uma resignificação de acordo com o contexto social da cidade.
      Espero que tenha contribuido para o esclarecimento dessas questões levantadas Míriam.
      Atenciosamente
      Juliana Ramos de Arruda,
      Mestranda do ProfHistória/UFMT e professora da rede estadual de ensino de Mato Grosso.

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