Carlos Mizael

ENSINO DE HISTÓRIA X ENEM: INTRODUÇÃO À PREPARAÇÃO POR MEIO DA PERSPECTIVA HISTORIOGRÁFICA ANARQUISTA

Anteriormente escrevemos no 3º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História uma comunicação chamada 'O Ensino de História Sob O Viés do Anarquismo: É Possível?', onde nela alcançamos algumas conclusões. A primeira conclusão foi que não há uma resposta exata para ensinar História pelo viés do Anarquismo, mas pode ser que um dos caminhos necessários:

“(...)seja justamente em qualquer sequência didática de História que seja executada migrar tanto da individualidade quanto para coletividade nas narrativas, independente do período histórico em discussão. Esse processo pode se dar de várias formas: Pesquisa de fontes, aula expositiva, aula debate. Somente a situação e o preparo do(a) docente é que dirá qual será a saída para esse dilema.” (SILVA, 2017)

Essa contribuição toda se deve ao esforço do Historiador Anderson Romário Pereira Corrêa que, com base em pensadores anarquistas como Bakunin, Proudhon, Kropóptkin e Rocker definiu que, para uma historiografia sob a perspectiva anarquista não pode faltar:

“(...)determinadas características como a presença da concepção da existência da autonomia humana no devir, a história como resultante de uma construção dada por meio da disputa entre vários agentes e projetos sociais”. (CORRÊA, 2010)

Além disso, ainda para esse autor a História não segue uma determinação única uma vez que determinados processos históricos podem resultar tanto pelo caráter humano quanto pela questão social. Portanto, “O mecanismo dessa história é sempre pluricausal impedindo que hajam 'leis a serem seguidas'”. (Ibdem)

O nosso desafio dessa vez é pensarmos como relacionar o Ensino de História sob Perspectiva Anarquista com o Exame Nacional de Ensino Médio, o ENEM. Essa prova foi criada em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho dos estudantes do Ensino Médio. Recentemente esse mesmo exame abriga o objetivo de fazer com que os(as) candidatos(as) possam obter pontuação suficiente para serem inseridos(as) no Ensino Superior. Isadora Fonseca Eugenio e Marina Gomes de Sousa da Costa escreveram um artigo chamado 'O ENEM e suas repercussões no ensino de História na contemporaneidade: desafios de uma aprendizagem holística e não fragmentada', no qual elas descrevem a experiência que tiveram em 30 dias de estágio em um colégio estadual em Minas Gerais onde elas se depararam com os professores que tentam preparar os(as) estudantes para o Enem. A vivência que elas tiveram despertaram várias percepções como, por exemplo, o fato delas mencionaram a fragmentação que ocorre nas aulas de História, uma vez que os(as) estudantes e os(as) professores procuram saber de fato o que só é exigido ultimamente nas provas do Enem:

“Além dos temas abordados estarem diretamente vinculados aos conteúdos determinados no ENEM, há na educação uma fragmentação e simplificação dos conteúdos discutidos nas salas de aula. Essa fragmentação leva o aluno a crer que não há como contestar os fatos históricos e que a História não é um processo.” (EUGENIO e DA COSTA, 2013)

Se usarmos como fonte os cadernos do Enem de 2009 até o ano de 2016 percebemos que a prova provoca uma fragmentação do conhecimento histórico por não trabalhar com todo o conteúdo curricular da disciplina História. Isso se torna mais claro no campo da História Geral, já que no exame de 2016 não foi encontrada nenhuma questão que tratasse, por exemplo, de Idade Média ou Moderna. Nas edições anteriores já encontramos questões que tratam desses períodos. Portanto, compreendemos que, de início, para prepararmos um(a) candidato(a) para uma prova do Enem dentro da perspectiva anarquista de ensino de História, além de tratarmos uma questão do Enem enquanto fonte, devemos fazer com que os(as) candidatos(as) se atentem às habilidades da área de Ciências Humanas e Suas Tecnologias propostas pela Matriz de Referência do Enem. Monike Gabrielle de Moura Pinto e Ricardo de Aguiar Pacheco escreveram o Artigo 'O Enem Como Referência Para O Ensino de História', onde expuseram a análise feita das provas do Enem de 2010, 2011 e 2012 em comparação às Leis e Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDBEN) e aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), e perceberam que no momento em que os exames exigiam mais questões a respeito da História do Brasil eles se aproximavam das propostas das diretrizes, uma vez que nelas eram pautadas questões de matrizes reflexivas e pautadas na “Consciencização da Cidadania”. Uma vez que eles se aproximavam mais da História Geral se distanciavam das diretrizes uma vez que e as LDBEN defendiam um Ensino de História que se aproximasse da realidade do(a) estudante e pontuasse muito mais a História tanto local quanto nacional.

Dessa forma, fica fácil percebermos porque ocorre a fragmentação e simplificação de conteúdos. Como pensares elementos de nossa cultura como a Igreja Católica e Protestante, por exemplo, sem falarmos do Ocidente Europeu no período medieval e moderno? Como falarmos da colonização do nosso país sem pensarmos no surgimento do Reino de Portugal na Península Ibérica ainda no período medieval? A propriedade que a historiografia anarquista possui nos faz irmos além dessas determinações que limitam o saber histórico escolar. No entanto, devemos lembrar que o foco aqui ainda não é a expansão da consciência histórica por meio da narrativa em si, uma vez que isso só poderá ocorrer depois do(a) candidato(a) compreender como as habilidades são cobradas no exame.

Jörn Rüsen, em sua obra 'Razão Histórica: Fundamentos da Ciência Histórica', durante o primeiro capítulo, escreve que a auto-reflexão é um assunto que faz parte do cotidiano de qualquer historiador pelo dele representar um retorno ao que ele chama de “projeto cognitivo de um sujeito cognoscente que se reconhece reflexivamente nos objetos de seu conhecimento” (RÜSEN, 2011). Um(a) candidato(a) não necessariamente possa querer ou já se tornar um(a) historiador(a), mas, de qualquer forma as habilidades exigidas pelo exame podem ser reconhecidas a partir do seu cotidiano. Portanto, desenvolvemos um slide cujo primeiro momento se torna uma proposta de auto-reflexão onde o(a) vestibulando(a) responderá determinadas perguntas, caso queira (anarquismo preza pela liberdade), em que ele pode ou não se reconhecer não apenas como um agente da história, mas também alguém capaz de refletir criticamente sobre o assunto. Na segunda parte do slide já são apontadas algumas questões do Exame Nacional do Ensino Médio e o objetivo nele é mostrar como que as fontes históricas são aproveitadas pelo questionário do Enem com base nas habilidades exigidas pela Matriz de Referências. Afinal de contas, se o(a) candidato(a) não se preocupar com isso, a banca se preocupará.

 O objetivo é exibirmos o slide que poderá ser visto nas referências logo abaixo para que o(a) candidato(a) possa se sentir com liberdade para estudar da maneira que achar melhor, independente das propostas que o(a) docente tenha, desde que ele se atente às habilidades que o ajudarão a solucionar às questões. As perguntas são de cunho pessoal, embora seja esperado que as respostas se desdobrem em um debate. Perguntas como: “O que é História para você?”, “Você compartilha os seus 'registros históricos'?”, “Você tem recordação de cada lugar que você já pisou?”, fazem parte do repertório e servem para colocar o(a) entrevistado(a) no lugar de quem reflete algo sobre História e se preocupa manter registrado os seus momentos de alguma forma, relembrando cada chão que pisou. Isso com certeza pode fazer com que ele(a) tenha empatia com questões que sempre abordarão algum tipo de fonte histórica, até mesmo questões que envolvam projeções cartográficas e que façam alguma relação espaço-tempo.

Dessa forma buscamos contribuir para o debate que agora, com a segunda mudança no modelo de prova, poderá crescer ainda mais.

Referências
Carlos Mizael dos Santos Silva é graduado em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e atualmente leciona História no Pré Enem Social da cidade de Barra Mansa.

Fonte:
Slide para introdução à Preparação de História para o Enem:
https://drive.google.com/open? id=1kDeIXpGrYGSi7yflp06fvnmjSLQs0KEr

Matrizes de Referência Para ENEM 2012. MEC. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/matriz_referencia_enem.pdf Acesso em novembro de 2011.

Capítulos e Livros:
CORRÊA, Anderson Romário Pereira; ROCHA, Bruno Lima; CORRÊA, Felipe (ORG). História Por Anarquistas. Porto Alegre: Deriva, 2010.

RÜSEN, Jörn. Tarefa e Função de Uma Teoria da História In: Razão Histórica: Fundamentos da Ciência Histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. -Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011. p.25-51.

SILVA, Carlos Mizael dos Santos. O Ensino de História Sob O Viés do Anarquismo: É Possível?. In: BUENO, André; CREMA, Everton; ESTASCHESKI, Dulceli; NETO, José Maria (Org) História. Um Pé De Histórias: Estudos Sobre Apredizagem Histórica. Edição Especial Ebook: LAPHIS/Sobre Ontens, 2017. p.58-60. (01-576)

Artigos:
EUGENIO, Isadora Fonseca; DA COSTA, Marina Gomes de Sousa. O ENEM E Suas Repercussões No Ensino de História Na Contemporaneidade: Desafios A Uma Aprendizagem Holística E Não Fragmentada. Pedagogia Em Ação, Belo Horizonte: PUC Minas, v.05, n.01, p.070-081, 2013. (03- 105). Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/view/8476/7226; Acesso em: 10 jul. 2017.

PINTO, Monike Gabrielle de Moura; PACHECO, Ricardo de Aguiar. O ENEM COMO REFERÊNCIA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA. Cadernos da Pedagogia, São Carlos: ISSN: 1982-4440 , v.08, n.15, p.76-y85, 2014.(p.76-75). Disponível em: http://www.cadernosdapedagogia.ufscar.br/index.php/cp/article/viewFile/673/263; Acesso em: 28 jun. 2017.

6 comentários:

  1. Olá Carlos, parabéns pelo seu artigo. Eu não tenho o conhecimento sobre a questão da historiografia anarquista,mas o seu artigo já despertou uma certa curiosidade. Durante a leitura, pude perceber que você enfatizou a questão da fragmentação da prova de História do Enem, no campo da História Geral. No texto você diz que: "A propriedade que a historiografia anarquista possui nos faz irmos além dessas determinações que limitam o saber histórico escolar."

    Gostaria, se possível que você explanasse mais sobre essa questão.
    Respondendo as seguintes objeções:

    1. Quais as contribuições do ensino na perspectiva anarquista para o estudante, para além da prova no Enem?

    2. Em um cursinho vestibular preparatório para o Enem, sabemos que essa limitação de conteúdo, é algo normal, e realmente o professor utilizando as provas do Enem como fontes históricas, facilita o seu trabalho e a preparação dos conteúdos e aulas a ser ministradas. Como um professor deve agir para educar e ensinar o aluno para a vida lá fora, dentro de uma perspectiva anarquista?

    Edilson de Souza Marques

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    1. Bom dia. vamos lá!

      1. As contribuições, pelo menos para mim, é a liberdade que o(a) estudante tem de se organizar sem a intervenção docente. O nosso material facilita no sentido de fazer a pessoa saber como as questões podem ser configuradas. Após isso cabe a ele decidir como ele proceder em seus estudos para alcançar o objetivo de realizar bem a prova. Se o método vai além dessa prova ou não, ele(a) é quem decidirá, mas nós temos que incentivar de alguma forma.

      2. Acredito que o material já nos ajude nesse sentido, pois, dessa forma, mostramos que a partir do seu cotidiano ele(a) pode construir de uma forma libertária as suas habilidades. Talvez eles(as) tenham mais experiência da vida do que nós.

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  2. Olá, Carlos! Excelente reflexão.
    Bem, como foi pontuado no texto, e eu concordo plenamente, vivemos hoje a fragmentação do ensino, e cada vez mais há dificuldades de se ter um conhecimento global uma vez que tratamos os temas de formas especificas, ás vezes rompendo até com as relações existentes. O drama que decorre disto é que acabamos por interpretar o mundo de forma fragmentada, como por exemplo refletir sobre dilemas de uma sociedade levando em conta só a questão econômica e esquecendo de outros aspectos que interferem na vida de um cidadão, incluindo aspectos de natureza históricas. Digo isto pois fica na minha cabeça que ainda que o ensino se volte a uma educação libertaria, o aluno ainda está sujeito a condicionantes que são cobrados na prova e que podem limitar de uma certa forma essa liberdade e tender a uma visão fragmentada e ao meu ver, o mesmo se aplica ao caso do professor. Sei que é algo complexo e demanda uma intervenção na estrutura da própria prova, mas como não consegui visualizar o seu slide, gostaria de saber como professores e alunos podem lidar com esse "paradoxo" levando em conta que os cursinhos voltados para o Enem disponibilizam de pouco tempo para desenvolver as aulas e atividades e existem casos em que os alunos não possuem tempo para se dedicarem a uma formação complementar?

    Tamires Celi da Silva

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    1. Tamires. Ótima pergunta e tentarei responder.

      De fato as questões do Enem são elaboradas com base em cada eixo temático. Usando o slide como referência não terá como responder essa pergunta mas posso afirmar o seguinte:

      Eu preparo apostilas e, a partir de cada questão comentada minha, parto mais tarde para a narrativa de história que tente "englobar" o máximo de eixos temáticos em um mesmo processo abordado pela questão. Separo os módulos por cada período. Mesmo que eu não fizesse a apostila, poderia incentivar a galera a pesquisar o máximo de informações possíveis sobre o mesmo período da qual aquela questão se trata, e então eu poderia chegar com as informações que fiz na apostila. Nem sempre acerto, é um processo lento que aos poucos vai sendo construído. Incentivar a pessoa pesquisar é bom, pois ele mesmo pode, dessa maneira, além daquilo que é proposto na prova. Além disso tento provar que de nada adianta ele querer interpretar uma questão se ele não entende o que foi construído lá atrás antes.

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    2. Carlos, muito obrigada pela resposta. É bom ver pessoas que se dedicam a promover um ensino libertário. Sua forma de trabalho é inspiradora.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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